O livro de criminologia e a saudade que não cabe na estante
- Marcos Candian
- 25 de jan.
- 3 min de leitura
Atualizado: 27 de jan.

Organizar livros no escritório tem dessas armadilhas emocionais. A gente começa mexendo em um canto empoeirado e, de repente, encontra memórias que estavam quietas, mas nunca esquecidas. Foi assim que hoje topei com um exemplar de "Curso de Criminologia", de José Flávio Braga Nascimento. Um livro que, na época da faculdade, mal prestei a devida atenção, mas que hoje guarda um peso imensurável. Não pelo conteúdo jurídico, mas pela história que ele carrega: ele foi um presente do meu pai.
Na faculdade, eu tinha mania de livros. Mas eu era bolsista, e dinheiro não era algo que sobrava. Contava com o que ganhava do estágio e da monitoria para comprá-los. Nunca pedi livros ao meu pai, não porque ele não quisesse dar — ele teria dado todos. Mas porque eu sabia que pedir um significava querer vários, e não achava justo. Ele, sem eu pedir, escolheu aquele.
Meu pai, que partiu há dois anos, nunca foi da área do Direito, mas achava fascinante o que eu estudava. Enquanto eu me mudei para Campinas para seguir a faculdade, ele e minha mãe ficaram em Amparo, onde não havia livrarias jurídicas. Ele, no entanto, não se deixou abater por essa distância ou pela falta de recursos. Descobriu no Estante Virtual um universo inteiro de livros usados e, ali, encontrou este exemplar. Para ele, era mais que um livro: era um portal para o meu mundo.
Ele me entregou o livro como quem entrega um troféu, com o brilho nos olhos de quem encontrou algo valioso. O título — Curso de Criminologia — parecia carregar um peso que ele admirava profundamente, sem saber que era apenas uma disciplina de um semestre, ministrada às quintas-feiras pela manhã, quase uma pausa entre outras mais densas. Para mim, o livro era simples; para ele, era grandioso. E, hoje, entendo que a grandeza estava no gesto, não no conteúdo.
Confesso que, na época, fiquei meio sem jeito do presente. Fiquei com dó dele ter gastado dinheiro em um livro sobre uma matéria que, basicamente, no meu dia a dia profissional, não tem nenhuma importância prática. Mas talvez seja isso que o torna tão significativo. De tão sem importância que era, ficou claro que ele mal sabia o que estava fazendo, mas queria fazer alguma coisa. Ele queria participar, queria estar presente de algum jeito, mesmo que não soubesse exatamente como. E isso, por si só, significa muito.
Hoje, devolvo o livro à estante, mas não sem antes passar a mão pela capa e sentir uma pontada de saudade. Esse livro, tão simples aos olhos de qualquer estudante de Direito, é um lembrete de um pai que, mesmo sem entender todas as páginas da minha vida, queria fazer parte delas. Queria contribuir de alguma maneira. E ele contribuiu. Ele estava lá quando fomos juntos fazer minha matrícula. Ele estava lá nos domingos de tarde, quando era hora de voltar pra Campinas. E agora, mesmo depois de ter partido, ele ainda está aqui, nos gestos que ficaram.
E eu? Continuarei carregando essa saudade como quem guarda um tesouro que o tempo não apaga. Porque meu pai não está mais aqui, mas deixou comigo algo que o tempo jamais levará: a certeza de que não precisamos entender as palavras para escrever as histórias mais bonitas. E essa história, entre nós dois, tem um espaço reservado na memória e na estante do meu escritório.







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