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Quando tudo ainda cabia naquela quadra

  • Foto do escritor: Marcos Candian
    Marcos Candian
  • 19 de abr.
  • 2 min de leitura
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Passei em frente ao Edifício Athenas, e foi engraçado perceber como algumas coisas continuam de pé quando quase tudo em nós já mudou. Ele fica ali, entre a Rua Sacramento e a Orozimbo Maia, bem ao lado do que já foi o prédio da Faculdade de Direito da PUC Campinas. Ainda ostenta seu nome em letras grandes, quase gregas. E eu juro: por um segundo, tive a impressão de que era 2010 outra vez.


Naquela época, quem morava no Athenas pra estudar na Faculdade de Direito era visto com certo respeito silencioso. Era um prédio imponente, de três quartos, piscina e quadra, coisa rara para um estudante. A maioria dividia o aluguel com outros três colegas — mas não importava. O endereço já dizia muito.


Naquela quadra, a vida tinha outro compasso. A gente caminhava com o Vade Mecum debaixo do braço e a cabeça cheia de artigos, aulas de Direito Civil III, debates sobre culpa, dolo e responsabilidade. Achávamos que entender os institutos do Direito era entender o mundo. E, de certo modo, era mesmo. O campus era até que pequeno, mas carregava tudo o que importava: mesas no fundo da sala onde sempre sentava o mesmo grupo, um professor que a gente respeitava em silêncio, e as vezes um "amor" que nascia entre uma aula de Penal II e outra de Processo Civil. 


Havia rotina, correria, mas havia encantamento também. E ele estava em cada detalhe — nas conversas no intervalo, nas folhas grifadas com marca-texto fluorescente de um texto que tínhamos lido apenas uma vez, e no susto bom de reconhecer o próprio nome na lista de aprovados de uma prova difícil de Introdução ao Estudo do Direito.


O campus central da PUC já não está mais lá. As salas se calaram. Os corredores já não ouvem vozes ansiosas antes da primeira prova. Mas o Athenas continua firme. E, toda vez que passo por ele - como foi agora - percebo que algumas lembranças não moram no tempo. Moram em nós.


Eu falo isso porque nunca morei no Athenas, mas tenho a sensação de que ele sempre me olhou de cima, do mesmo modo que eu sempre olhava pra ele ao passar na rua. De alguma forma, me ensinou que nem sempre a gente mora onde vive — às vezes, a gente vive em lugares onde nunca morou.


A verdade é que eu sou grato. Porque o tempo passou e a vida foi boa comigo. Me deu coisas que eu jamais imaginei ter — e também me levou outras, que jamais pensei que perderia.


E também trouxe o ensinamento de que talvez o verdadeiro luxo da juventude não seja o endereço. Talvez seja o olhar encantado que a gente tinha para tudo.


O Athenas está lá e eu sigo aqui, com algumas respostas a mais e infinitas perguntas ainda sem saber responder. Mas, se puder escolher, quero sempre manter aquele olhar de calouro — o que se impressiona com o mundo, e ainda acredita que há beleza em quase tudo.

 
 
 

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